"Santas as visões, santas as alucinações, santos os milagres, santo o globo ocular, santo o abismo." (Allen Ginsberg)

19.9.06

Lua e Cereja

Não basta apenas escrever sobre o que se acha. É preciso viver antes e escrever depois, se possível logo após, ainda sentindo o calor do que se acabou de experimentar. É preciso viver ao escrever, não se escreve sem estar-se vivo. Escrever o que se vive? Viver o que se escreve? Escrever para viver ou viver para escrever? Também é possível tentar escrever em meio ao grande caos, quando a coisa sobre o que se quer escrever está acontecendo. Mas isto pode ser muito confuso e até um tanto quanto enlouquecedor. As letras podem sair tão tremidas que depois nem serão decifradas. Mas certamente terão o calor do momento - não apenas letras frias sendo lidas num monitor. Quantas coisas perdemos enquanto escrevemos? Quanto deixamos de escrever enquanto não estamos escrevendo? Vivendo - vivenciando, experimentando, passando a limpo, cortando palavras, riscando frases, propondo outras palavras (como, por exemplo, escreviver. De quem é esta pérola? ESCREVIVER). O que é escrito sem vida não é lido. Também não é lido o que choca demais (vanguardista) como censas explícitas de cópula ou de ultraviolência já muito censuradas, muitas mesmo antes de irem para a tela, neste meu braZil varonil. Meu país é o país de Glauber: - Quanto custou Terra em Transe? Custou o preço do cinema brasileiro. Voltando ao cult-pink-indie-dark japonês... As coisas e as pessoas existiriam apenas para servirem de cobaias analisadas minuciosa e friamente pelos escritores? Quantos amigos os escritores perdem ao transformarem pessoas reais em personagens? Principalmente quando o foco inspirador não se identifica com a maneira que ele foi impresso na obra... Porque as pessoas sempre esperam um auto-retrato muito fiel à imagem que têm de si mesmas. Mas o que interessa ao escritor é sempre a maneira como ele sentiu ou a forma como ele que expor/subverter esta experiência - geralmente a forma que o artista acha mais belo... cada olhar um olhar. Nem todos os escritores são fotógrafos registrando um momento instantâneo, abanando a foto para ela secar. Alguns escritores não a esperam secar, borram a realidade e a jogam no papel ou na tela com crueza - em Teorema, de Pier Paolo Pasolini, a lata de tinta arremessada, vidros quebrados num contraponto à vida aos pedaços dos personagens. A grande homenagem que um escritor pode prestar à humanidade e às coisas é escrever sobre algo. Mesmo que escreva negativamente sobre esse algo, de certa forma é um tributo que este artista oferece para que o resto do mundo saiba que essa coisa o deixou embevecido ou contrariado; ou simplesmente para que o resto do mundo saiba que essa coisa existe e que ele a experimentou de algum modo. Incorpora ou distorce. Tem a liberdade de forjar um mundo mais belo ou mais louco. Abordar a probabilidade de outros finais felizes, não descartar a possibilidade de um filme sem final. Da forma que apenas o artista enxergou algo num ambiente que provavelmente tinha dezenas de outras pessoas que viram cada uma de sua forma a mesma cena. O grande crime é que o escritor conta a sua maneira enquanto os demais fazem dela um segredo. E contando, o escritor também impõe seu ponto de vista sem fazer muita questão de um direito de resposta de quem for ler. Bom é ter cuidado para que indo por essas linhas intermináveis ninguém se ofenda ou se machuque sendo usado para mais uma tese comportamental. texto . matheus matheus imagem . Lua e Cereja (Tsuki to Cherry, de Yuki Tanada, Japão, 2004)

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