"Santas as visões, santas as alucinações, santos os milagres, santo o globo ocular, santo o abismo." (Allen Ginsberg)

29.11.06

nó na garganta

I
A vida do garoto Francie é um rosário de desgraças: mãe perturbada e suicida, pai bêbado e violento, vizinhos cruéis que adoram humilha-lo. Mas este filme de Neil Jordan, o diretor de Entrevista com o Vampiro, está a anos-luz de um drama convencional: da fotografia naturalista à narração satírica, da violência terrível (e cômica) de Francie aos toques surreais (a cantora Sinéad O’Connor é a Virgem Maria que visita o garoto), ele é uma viagem vertiginosa e embriagante pela mente de um personagem que só a melhor ficção poderia retratar.

II

Francie é um menino que tem uma vida difícil: o pai é um alcoólatra que nunca traz dinheiro para dentro de casa, a mãe é uma viciada em calmantes com tendências suicidas e forte inclinação para a loucura e a compulsividade, os vizinhos o rejeitam por ser pobre e rebelde. Francie, então, busca refúgio em peraltices pouco ortodoxas para atingir o nível de fantasia de que precisa para não desperdiçar a infância. Foi extremamente coerente a decisão da distribuidora (que inicialmente tinha batizado o filme de “Fúria Inocente”) de trocar o nome para “Nó na garganta”. De inocente a fúria de Francie não tem nada. O título definitivo faz jus à grande maioria das cenas, pois não são raros os momentos em que o espectador engole seco – mas mesmo assim sem deixar de ter os olhos úmidos se for sensível. Repare no fino e cínico humor com que várias seqüências aniquilam certas instituições e ideologias. Repare também no delicado e nauseante lirismo que surge da comparação entre a raça humana e os suínos para acabar eclodindo num sonho alucinógeno e perturbador um pouco antes do desfecho. E algumas alusões à obra-prima-mor de Stanley Kubrick – como, por exemplo, a traição do melhor amigo. Desta vez são pequenos drugues com ultraviolências não menos contundentes que vão crescendo e se tornando cada vez mais horríveis - Porque? Responda! Porque? Aquela questão da reforma de uma pessoa que até agora não parece ter-se solucionado através de nenhuma vertente da sociedade. Redenção! Milagre! Salvação! Quanto conforto há nesses ópios populares... E o tom irônico como falam para fingir que são comuns... É como se dissessem: tudo está bem desde que finjamos que tudo está bem. Este Neil Jordan é bem mais polêmico do que em “Entrevista com o Vampiro”. E também bem menos comercial – desta vez no sentido literal da palavra “comercial”, já que o filme foi muito pouco visto nos cinemas. Aqui no BraZiL nem chegou a entrar em cartaz... Falar nisso, alguém por aí viu “Café da Manhã em Plutão”?

Imagem.The Butcher Boy, de Neil Jordan, Irlanda/EUA, 1997 Resenha (I) . Isabela Boscov Texto (II) . Matheus Só

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